sexta-feira, 8 de julho de 2011

Nasce um novo país

Sudão do Sul marca independência com festa e fogos de artifício
Novo país tem Juba como capital e foi reconhecido oficialmente pelo Sudão.
República nasce rica em petróleo, mas subdesenvolvida.

A população do Sudão do Sul celebra na madrugada de sábado (noite de sexta, 8, no Brasil) a sua independência em relação ao norte do Sudão, resultado de um referendo feito no começo do ano, conforme previa o acordo de paz de 2005 que encerrou décadas de guerra civil.
O novo país tem Juba como capital, e foi reconhecido oficialmente na sexta-feira pelo governo do Sudão, com sede em Cartum, horas antes da secessão formal.
Milhares de pessoas dançavam nas ruas, agitavam bandeiras, e fogos de artifício foram lançados para comemorar a data. As autoridades dizem que a nova nação surgiu à 0h do dia 9 de julho (18h em Brasília), e que uma cerimônia formal de independência seria realizada horas depois.

Homem dança com fogos em comemoração à independência do Sudão do Sul, em Juba (Foto: Goran Tomasevic/Reuters)
'À meia-noite, sinos repicarão em todo o novo país, e tambores soarão, para marcar a transição histórica do sul do Sudão para a República do Sudão do Sul', disse nota emitida previamente pelo governo regional.
A nova república nasce rica em petróleo, mas subdesenvolvida. O governo de Cartum foi o primeiro a reconhecer a nova nação, num sinal de secessão tranquila para aquele que foi, até sexta-feira, o maior país da África - que agora é a Argélia.
Mas o reconhecimento não elimina os temores a respeito do futuro. Os líderes do sul e do norte ainda precisam chegar a um acordo com relação a várias questões, a começar pela exata demarcação da fronteira e pela partilha dos dividendos petrolíferos.
Festa em Juba
Em Juba, pouco antes da meia-noite pessoas agrupadas nas esquinas de terra já agitavam bandeiras e dançavam à luz dos faróis dos carros, gritando 'MLPS, o-yei, Sudão do Sul, o-yei, liberdade, o-yei.'
MLPS é a sigla do Movimento de Libertação do Povo do Sudão, responsável pela rebelião que combateu o norte até 2005, e hoje é o maior partido do Parlamento do Sudão do Sul.

Comemoração tomou conta das ruas de Juba, a nova capital do Sudão do Sul (Foto: David Azia/AP)
Em Cartum, o presidente do 'velho' Sudão, Omar Hassan al Bashir, disse a jornalistas na sexta-feira que irá a Juba no sábado para as celebrações da independência.
'Gostaria de salientar (...) nossa disposição em trabalhar com nossos irmãos do sul e ajudá-los a instituir seu Estado para que, se Deus quiser, esse Estado seja estável e se desenvolva. A cooperação entre nós será excelente, particularmente quando se trata de demarcar e preservar a fronteira para que haja um movimento de cidadãos e bens por essa fronteira.'
Analistas temem a retomada da guerra civil - agora como guerra internacional - caso as disputas não sejam resolvidas.
Ao toque da meia-noite, a República do Sudão perdeu cerca de três quartos das suas reservas petrolíferas, que estão concentradas no sul - o qual, no entanto, depende dos oleodutos do norte para escoar essa produção. Além do mais, Cartum continua enfrentando insurgências nas regiões de Darfur e Kordofan do Sul.
Na noite de sexta-feira, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, disse a jornalistas em Juba que está confiante numa rápida adesão do Sudão do Sul à entidade global. Passando por Cartum horas antes, ele pediu ao governo do norte que autorize as forças de paz da ONU a ultrapassarem o prazo estipulado para sua monitoria da situação em Kordofan do Sul, maior Estado petrolífero remanescente no norte, e em outros pontos de conflito.
Entenda os fatores envolvidos na independência do Sudão do Sul
Divisão dos lucros do petróleo ainda geram escaramuças com o norte; para analista, vida seguirá 'precária' no novo país.
BBC
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O Sudão do Sul é o mais novo país do mundo, após ter oficializado sua independência em relação ao Sudão.
A separação foi definida em um referendo realizado em janeiro, quando 99% dos votantes apoiaram a divisão do país, marcado por conflitos sectários.
Entenda os fatores envolvidos na separação:
Por que a maioria dos cidadãos do sul quer um país independente?
Assim como no restante da África, as fronteiras do Sudão foram desenhadas por potências coloniais pouco preocupadas com as realidades étnicas e culturais da região.
Enquanto o Sudão do Sul tem uma paisagem repleta de selvas e pântanos, o norte é mais desértico.
A maioria da população do norte é muçulmana e fala árabe; o sul é composto de vários grupos étnicos, de maioria cristã ou animista.
Com o governo centralizado no norte, em Cartum, a população no sul se dizia discriminada e rejeitava tentativas de imposição da lei islâmica no país. Os dois lados lutaram entre si durante a maior parte de sua história.
O que acontece após a independência?
Agora é que começa o trabalho duro. Norte e sul ainda têm de chegar a um acordo em relação a temas como:
- Traçado da nova fronteira e como ela será controlada
- Como dividir a dívida do Sudão e os royalties do petróleo do novo país
- Que moeda será adotada pelo novo país
- Que direitos os sulistas terão no norte, e vice-versa
O Sudão do Sul está pronto para a independência?
A verdade nua e crua é: não.
Após viver anos em guerra e desdenhado pelo governo central, o novo país - que é maior do que Espanha e Portugal juntos - quase não tem estradas; também faltam escolas e serviços de saúde para a população de cerca de 8 milhões.
Apesar de seu potencial para a agricultura, 95% das receitas do novo país vêm do petróleo.
'A vida no Sudão do Sul provavelmente será precária nos anos futuros', disse à BBC o analista especializado em Sudão Douglas Johnson.
Os ex-rebeldes do grupo SPLM, que têm controlado a região desde 2005, ganharam alguma experiência em governabilidade e lucram com os poços de petróleo do sul sudanês. Também elaboraram planos ambiciosos para desenvolver suas cidades e realizaram um concurso para a composição do hino nacional.
Mas críticos dizem que, até agora, o grupo desperdiçou muito desse lucro em gastos militares, e pouco em medidas que aumentem o padrão de vida em uma das regiões mais pobres do mundo. Também há acusações de corrupção, autocracia e favorecimento tribal.
Alguns dizem que o SPLM é dominado por membros do maior grupo étnico do Sudão do Sul, os dinkas, acusados de ignorar as demandas de outras comunidades - em especial da segunda maior etnia da região, os nuer.
Um observador da situação sudanesa disse à BBC, em condição de anonimato, que 'não me surpreenderia se o Sudão do Sul se tornasse uma nova Eritreia'.
Em 1993, os eritreus votaram maciçamente em favor da independência da Etiópia. Atualmente, a Eritreia é considerada uma das nações mais opressivas do continente.
Como Cartum vê a independência do sul?
Nesta sexta-feira, o governo do presidente sudanês, Omar al-Bashir, reconheceu formalmente a independência da parte sul de seu país.
Mas, desde o referendo de janeiro, regiões na fronteira entre sul e norte, como Abyei e Kordofan do Sul, têm vivido uma onda de confrontos, levantando temores de uma nova guerra.
Os dois lados assinaram diversos acordos de paz, mas as tensões permanecem.
O SPLM acusa o governo sudanês de financiar rebeliões, para desestabilizar o Sudão do Sul, mas Cartum nega as acusações.
Ainda que o novo país esteja tentando forjar laços com países como Uganda e Quênia, manter boas relações com o vizinho do norte será crucial.
O que acontecerá com o norte?
A prioridade para Cartum, agora, é tentar manter para si o máximo de lucros originados da produção de petróleo do país.
Ao mesmo tempo em que a maioria dos poços fica no Sudão do Sul, o norte tem a maioria dos oleodutos que escoam o combustível para o mar Vermelho.
A fronteira entre o sul e o norte, rica em petróleo, ainda não foi demarcada, então existe a possibilidade de que ocorram disputas pelo controle dos poços.
No que diz respeito à vida dos cidadãos comuns, ambos os lados concordaram em permitir que todos os sudaneses - em especial os sulistas radicados em Cartum - escolham qual nacionalidade terão.
Mas os planos de Bashir de implementar uma rígida versão da sharia (a lei islâmica) no norte do país pode afugentar os sulistas da região